Em seminário na USP, professora de Coimbra diz
que crise brasileira é semelhante à que ocorreu em Portugal. Para
professor da ECA, “não regulamentação” dos meios teve papel importante
no processo
por Eduardo Maretti, da RBA
publicado
30/04/2016
São Paulo – A aguda crise
político-econômica do Brasil e a participação dos meios de comunicação
nessa crise não têm causas exclusivamente brasileiras. O fenômeno
decorre de uma realidade global, que tem vitimado outros países. “O que
se passa no Brasil não é muito diferente do que nós, em Portugal, na
Espanha e até mesmo na Itália, tivemos em outros momentos, com a
autonomização dos grandes meios (de comunicação) em relação aos
meios políticos e o desenvolvimento da própria política”, diz a
professora da Universidade de Coimbra Isabel Ferin Cunha.
Blotta observa que muitas vezes temos de saber do Brasil via imprensa internacional. Isabel vê tradição autoritária. IMAGEM: Luciene Leszczynski/Divulgação |
Para ela, o momento do Brasil é semelhante ao
período em que se instaurou a chamada “austeridade neoliberal" em
Portugal e Espanha, com intervenções do Fundo Monetário Internacional e
do Banco Central Europeu no início da década. Os países estão entre os
primeiros a ser fortemente afetados pela crise de dimensões globais que
se abateu sobre as economias mais frágeis da Europa – e que revelou ao
mundo que o neoliberalismo estava mais vivo do que nunca. Na Itália, o
processo, segundo ela, foi representado pelo governo de Silvio
Berlusconi (a partir de 2008).
Isabel foi uma das
palestrantes no seminário Liberdade e Interdição: Pontos de Vista,
realizado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ontem (29). Após
o seminário, foi lançado livro com mesmo título, organizado pela
professora Maria Cristina Castilho Costa, coordenadora do Observatório
de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom), reunindo
ensaios de vários autores.
“Temos uma tradição autoritária, que vem da
igreja católica e da própria formação dos nosso países. Portugal, e
depois o Brasil, é uma linha autoritária que se mantém. Mas a questão da
relação entre mídia e política é um outro fenômeno, introduzido na
chamada globalização neoliberal na terceira ou quarta fase, em que a
mídia tem o papel de domesticar a população pela aceitação dessa nova
fase do neoliberalismo”, afirmou.
O professor Vitor Blotta, do
Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA e pesquisador Associado
do Núcleo de Estudos da Violência da USP, considera que a “não
regulamentação” dos meios de comunicação no país tem um papel
“importantíssimo” no processo político atual e na crise política
brasileira.
“Isso na medida em que diminui a
diversidade de opiniões, e então não há versões distintas. Às vezes
temos que olhar para a imprensa internacional para contrastar as versões
nacionais. Parte da liberdade de expressão é garantir a diversidade das
vozes. Por isso, as normas de direitos humanos mais atuais na Europa
colocam a necessidade da pluralidade da mídia ao lado da liberdade de
expressão e a proteção da privacidade”, diz o professor.
Nesse estado neoliberal
internacionalizado, a professora da Universidade de Coimbra não concorda
que o golpe contra o governo Dilma Rousseff possa ser atribuído a um
acontecimento típico de uma “república de bananas”.
“Não vejo assim. Vejo isso como um processo
muito maior, que no Brasil tem configurações próprias, nacionais, mas
está dentro de um processo de expansão e reestruturação do
neoliberalismo nessa fase da globalização que, em cada país, se dá de
acordo com sua cultura, não só no sentido geral, mas no sentido da
cultura do sistema midiático, e agora surge com todo seu ‘esplendor’
nesta fase do conflito político.”
Para Blotta, com a realidade
trazida pela internet, há uma perspectiva de ampliar o “espectro de
vozes” que podem se fazer ouvir no âmbito das comunicações. Mas, mesmo
essa saída, apontada por profissionais progressistas dos meios de
comunicação e analistas de mídia como um contraponto ao poder midiático
dos grandes grupos de comunicação, deve ser vista com reservas.
“Com a concentração, em termos
de canais provedores de internet ou grandes empresas de conteúdo e
aplicativos como Google e Facebook, também vai sendo gerada uma certa
homogeneização, o que dá uma falsa impressão de espaço mais democrático.
Tenho estado um pouco cético quanto a isso”, diz Blotta.
Nessa realidade que, para
muitos, não permite que se veja luz no fim do túnel, a evolução para um
cenário mais favorável à cidadania pode ser possível, mas com avanços
lentos e pontuais. “Em termos de estrutura dos meios e de regras de
concessão, sou um pouco cético quanto às perspectivas. Acho que são
pequenas reformas que podem talvez levar a uma melhora, mais do que um
grande marco geral de comunicações, que acho muito difícil de ser
aprovado”, diz Blotta. "O Marco Civil da Internet precisa ser protegido."
FONTE: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/04/midia-tem-o-papel-de-domesticar-populacao-em-nova-fase-do-neoliberalismo-6861.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário