Sempre se afirmou que o golpe
jurídico-parlamentar que ocorreu em 2016 e derrubou um governo democraticamente
eleito não ocorreu, de fato, em nome da moralidade ou algo do gênero (basta ver
o que aconteceu com as denúncias contra Temer, Aécio e companhia... Todas
arquivadas!).
As verdadeiras razões do golpe começaram a
ficar claras nos meses seguintes: entrega do nosso petróleo a empresas
estrangeiras, facilitação para a propagação do trabalho escravo, retirada de
direitos trabalhistas, congelamento de investimentos em educação, saúde e
assistência social pelos próximos 20 anos, "reforma" da previdência e
a tal "reforma" do ensino médio!
O texto abaixo, embora longo, vale ser
lido. Faz uma lúcida análise dos interesses privados (nacionais e internacionais)
que sustentam o governo Temer (PMDB/PSDB).
O PRESIDENTE DO Banco Central, Ilan
Goldfajn, foi convidado pela rádio CBN, em setembro, a dar uma entrevista para
comentar como os investidores estrangeiros estão
otimistas sobre o futuro da economia brasileira. Ele
contou que esteve em Nova York e que, “apesar da nossa incerteza doméstica,
eles têm demonstrado muita confiança no nosso desempenho recente”. Eis como ele
explicou o surgimento dessa onda de otimismo entre a elite financeira global
sobre o desempenho brasileiro:
“Houve uma mudança, já faz
vários meses, na direção da política econômica: teve uma responsabilidade maior
em termos de contas públicas, teve reformas como o teto dos gastos, que foi
aprovado no final do ano passado, teve algumas outras reformas como a reforma
trabalhista, a reforma da
educação, teve mudanças
que permitiram os leilões….” [grifo adicionado pela repórter]
Ora, por que incluir a reformulação do ensino médio na
lista de medidas econômicas? E por que ela traz felicidade a investidores
internacionais? Mais que um ato falho, quando o presidente do Banco Central
cita uma mudança na política educacional como parte das políticas econômicas,
revela a lógica por trás do “novo” ensino médio: a educação deixa de ser
efetivamente tratada como um direito e passa a ser encarada como mero serviço a ser precificado.
Essa visão vai de encontro ao
lema bradado país afora em outubro de 2016 pelos estudantes que ocuparam suas
escolas contra a reforma. “Educação não é mercadoria”, repetiam os jovens
participantes da Primavera Secundarista.
Com as mudanças aprovadas e uma série de cortes feitos no orçamento da
educação, ganham os que pensam exatamente o oposto e que, por isso, fizeram da
crise na educação pública uma oportunidade de mercado.
Alunos ocupam
Colégio de Samambaia (Brasília) em ato contra a reforma do ensino médio. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Cortes no financiamento do ensino superior combinados à reforma do
ensino médio despertam o paladar do mercado pela educação básica
Este ano, o Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies) teve 100 mil vagascortadas.
Além disso, o Ministério da Educação reduziu de R$ 7 mil para R$ 5 mil o teto
de financiamento mensal por universitário. Derrubou-se, assim, um dos alicerces orçamentários das
faculdades particulares, principalmente aquelas voltadas para as classes C e D.
Como reação ao forte impacto em suas finanças e ao aumento na inadimplência,
acionistas dos dois maiores grupos empresariais deste mercado — Estácio de Sá e
Kroton — voltaram seus olhos para o ensino básico.
Ocupação de
escola em outubro de 2016: secundaristas protestavam contra a reforma.
Foto: Mídia Ninja
A Kroton Educacional surgiu em 2007,
quando a Rede Pitágoras de colégios e cursos abriu
capital na bolsa de valores e passou a adotar o novo
nome. Nos últimos 6 anos, a
empresa vinha focando no ensino superior: comprou e se fundiu a outros
conglomerados de faculdades até se tornar a empresa com o maior
número de matriculados no ensino superior do país — um milhão —
e com 15% de participação de mercado.
Hoje estão sob sua alçada seis
faculdades, com destaque para a Anhanguera, que possui campi em
20 estados e no Distrito Federal. O objetivo da Kroton era chegar a sete
instituições de ensino, mas o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) vetou a compra da Estácio por acreditar que a operação seria anticompetitiva.
Se a fusão não tivesse sido barrada, teria criado um gigante de 1,4 milhão de alunos,
controlando 25% do ensino superior privado do país.
Impedida de comprar sua
principal concorrente e afetada pelos cortes no Fies, a empresa decidiu
retornar às origens. A Kroton quer comprar 16 colégios — ou, nas palavras da
mídia especializada em economia, “ativos em educação básica” —, três já estão em fase
final de negociação.
Mercado altamente lucrativo e estável
O mercado financeiro demonstrou
gostar da mudança de estratégia da empresa. Em fevereiro, quando a
Superintendência-Geral do Cade impugnou a compra da Estácio e encaminhou o processo para
julgamentodo tribunal do Conselho, as ações da Kroton registraram
o menor valor do ano até
agora: R$12,55. No dia em que a
empresa anunciou estar prestes a fechar sua primeira
compra de um colégio, no início de outubro, as ações alcançaram
o maior preço, negociadas a R$ 21,23.
Índices semelhantes foram
registrados pela holding Bahema, que resolveu ir às compras no segmento da
educação básica às vésperas da aprovação da Reforma
do Ensino Médio. A holding nasceu como uma empresa de máquinas
agrícolas, foi sócia minoritária em negócios como Unibanco e Pão de Açúcar e,
agora, comprou três grandes escolas no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em São
Paulo. Mais uma vez, o mercado financeiro respondeu de maneira efusiva: as
ações da holding tiveram alta de 23,33%.
Enquanto 2% deixaram de pagar as mensalidades escolares, 6% preferiram
deixar de pagar a conta de luz
Segundo a consultoria Hoper, o
mercado de colégios particulares movimenta R$ 67 bilhões ao ano no
Brasil, enquanto o das universidades envolve R$ 55 bilhões. Além de gerar mais
dinheiro, a educação básica é prioridade entre os investimentos dos
brasileiros. Um estudo da SPC Brasilavaliou
as medidas de contenção de gastos adotadas entre as famílias atingidas pelo
desemprego no último ano: enquanto 2% deixaram de pagar as mensalidades
escolares, 6% preferiram deixar de pagar a conta de luz.
Diante desses números, a
educação básica é vista não apenas como fonte de lucro, mas também como um
nicho de mercado estável e confiável. Afinal de contas, mantém os clientes
fidelizados por até 12 anos, do primeiro ano do ensino fundamental ao último do
ensino médio.
Ato dos
secundaristas realizado em 2016 contra a máfia da merenda em São Paulo foi
reprimido pela PM e um estudante foi preso. - Foto: Mídia Ninja
Empresário decidiu investir no ensino médio assim que a reforma foi
anunciada
De olho nesses clientes de
longo prazo, o maior acionista da Estácio também decidiu seguir a tendência e
centrar esforços no ensino básico. Chaim Zaher e sua filha, Thamila
Cefali, se afastaram do conselho
administrativo da faculdade em outubro de 2016 para se
dedicarem a um projeto novo de escola. A decisão foi tomada semanas depois de a
Medida Provisória que deu origem à reforma do ensino médio ter sido enviada ao
Congresso.
Zaher é o fundador do Sistema
Educacional Brasileiro (SEB), composto por 13 instituições, da educação
fundamental ao ensino superior. Seu projeto é deixar o SEB como legado para a
filha administrar. Em 2010, o grupo comprou escolas, investiu no crescimento
das instituições e depois vendeu as ações para a multinacional Pearson,
especializada em educação com ativos em 70 países.
Este ano, o SEB comprou de volta essas mesmas redes de ensino por um preço menor que o recebido
anteriormente — o negócio envolve 190 escolas e 70 mil alunos.
Não que a escola gerenciada
pelos Zaher seja ruim, pelo contrário: a empresa oferece um modelo educacional moderno,
com professores treinados por respeitados especialistas, altos salários e dedicação
exclusiva. É um modelo de escola particular voltado para a classe A, que adota o currículo
“flexível” estabelecido pela reforma do ensino médio e ainda o leva além, com
aulas optativas até para alunos do fundamental. As mensalidades giram em torno de R$
6,5 mil reais – e ainda assim há filas de espera.
É claro que essa não é a
realidade de todas as escolas particulares do país. A “modernização” não deverá
chegar às escolas mais baratas, que devem apenas adaptar as ideias do novo
ensino médio ao seu já tradicional formato de “terceirão”, focado em aprovação
no Enem. Em vez de ter uma turma de “terceirão”, serão cinco, um para cada área
de conhecimento criada pela reforma. É o que explica Fernando Cassio,
pesquisador na área de políticas educacionais e professor da Universidade
Federal do ABC.
“Existem duas categorias de
educação privada: as de elite e as que atendem às classes B e C. Esse último
tipo absorve o discurso público de flexibilização, mas adapta a sua lógica de
oferecer um produto para o mercado. Então essas escolas, que são apostiladas e
funcionam em formato de ‘terceirão’, vão absorver os conceitos da reforma do
Ensino Médio a partir das práticas que miram o vestibular, que são as práticas
que eles sempre adotaram”.
Compreendendo esses diferentes
perfis de “consumo”, o modelo de negócio do grupo SEB busca diversificar a
oferta. Um dos projetos é formar uma rede de “segmento econômico”,
com mensalidade a R$ 550. “A meta é abrir capital em 2018. Para chegar lá,
queremos nos consolidar como uma companhia com escolas de referência em
diferentes nichos”, explicou Zaher ao O Globo.
Dia de
Paralisação Geral em 2016 lotou as ruas de Belo Horizonte (MG) com
trabalhadores, e secundaristas.- Foto:
Mídia Ninja
Modernizador e atraente para a rede particular, “novo ensino médio” é
impraticável na rede pública
“Você não consegue implementar
essa estrutura proposta na estrutura de financiamento como a que temos [na rede
pública]”, resume Fernando Cassio. Ao estabelecer cinco áreas de conhecimento
(Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação
Técnica), exige-se um número maior de professores e uma maior especialização
desses profissionais, o que significaria um aumento expressivo no investimento
em educação.
No fim, o aluno da rede pública não terá a mesma possibilidade de
escolha.
O problema é que só existe
oferta de ensino médio público regular em 55% dos municípios e,
ainda assim, o quadro de professores é deficitário, dentro de
um contexto de congelamento de gastos aplicado pelo governo. Para conseguir
implementar o novo ensino médio, a solução prática mais próxima da realidade
seria dividir as escolas públicas nas cinco vertentes, o que levaria à criação
de ilhas de referência e à limitação do acesso à educação.
No fim, o aluno da rede pública
não terá a mesma possibilidade de escolha. “Quando falamos que o ensino médio
será composto pelas quatro áreas do Enem e pelo ensino técnico, sabemos que, em
muitos casos, a escola vai fornecer apenas uma ou duas opções de
aprofundamento, principalmente em cidades pequenas”, explicou Renato Janine,
ex-ministro da educação e professor da USP, em entrevista à Carta Capital.
Larissa Coelho, 18 anos, participou
do movimento no Colégio Pedro II de Realengo, na zona norte do Rio de Janeiro e
entende que isso representará um aprofundamento de uma desigualdade de
oportunidades que já existe.:
“Essa ideia de possibilidade de
escolha sobre o que se vai fazer é uma falácia. O aluno da escola pública, que
muitas vezes precisa logo colocar dinheiro dentro de casa, não escolhe fazer o
técnico, é movido pela necessidade. E nem considera a faculdade, porque isso
não é permitido a ele.”
De olho no orçamento público
Enquanto as empresas do setor
de educação buscam criar um novo mercado com alta lucratividade investindo
pesado em escolas particulares, na educação pública, a dificuldade de adaptação
ao novo formato abre caminho para que ponham as mãos no orçamento do Fundeb (Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação) via contratos de Parcerias Público-Privadas (PPPs).
O fundo teve um orçamento de R$ 136,9 bilhões no ano passado; um valor que
representa, aproximadamente, 80% do investimento público total feito em
educação básica no país.
Para ter acesso aos recursos
públicos sem ter que arcar com os custos pesados de infraestrutura que rede
pública demanda, a estratégia das empresas é investir em gestão educacional ou
outros serviços como parcerias para “ensinar” aos profissionais das redes
municipais e estaduais os conceitos do novo modelo de modernização do
ensino, workshops para seus gestores se qualificarem segundo a lógica de produtividade
empresarial, e consultorias para traçar a estratégia de adaptação ao
novo ensino médio.
O Instituto Ayrton Senna é um
dos que apostam nesse mercado desde 1994. Está
trabalhando em Parcerias Público-Privadas com diferentes secretarias estaduais de educação para
implementação do formato do “novo ensino médio”. Ricardo Paes de Barros,
economista-chefe da instituição, não mediu palavras para falar da empolgação
com a possibilidade de terceirização à revista Isto é Dinheiro em setembro: “No
futuro, não tem razão nenhuma o
estado gerenciar individualmente professores e escolas”.
Animados pelo pique do mercado
financeiro, investidores que sequer têm experiência no ramo tentam se
aventurar. A justiça de Goiás, por exemplo, teve que suspender em janeiro deste
ano uma licitação para terceirizar a gestão
de escolas da rede estadual. O motivo: as empresas
escolhidas não demonstravam ter capacidade nem
experiência para desempenhar a tarefa.
FONTE: https://theintercept.com/2017/10/20/sob-aplausos-do-mercado-financeiro-empresarios-ja-lucram-com-reforma-do-ensino-medio/
Nenhum comentário:
Postar um comentário